quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A propósito da Homenagem aos Priores do Crato

À semelhança do ano transacto e mantendo a intenção de fixar a celebração no seu calendário anual, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Crato, realiza no próximo domingo, dia 20 de outubro, a Missa de Homenagem aos Priores do Crato.
Desta feita, associa-se também às Comemorações dos 900 Anos da Bula Piae Postulatio Voluntatis, de Pascoal II, chamando até si a Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana Militar de Malta, para em comunhão participaram naquela celebração e perpetuaram a efeméride com o descerramento de uma Lápide Comemorativa na denominada Varanda do Grão-Prior.

Varanda do Grão-Prior do Crato
Aproveitamos, pois, este ensejo para discorrer um pouco sobre os denominados Priores do Crato, a emblemática Varanda do Grão-Prior e, nomeadamente, sobre o Grão-Prior seu mandante.
Recorde-se muito sucintamente que a sede do Priorado da Ordem do Hospital em Portugal começou por ser a Norte, no Mosteiro de Leça do Balio, que pertence hoje ao concelho de Matosinhos. Com o avanço da linha de conquista de território aos mouros e com a doação de terras a norte do rio Tejo por D. Sancho I e além do Tejo por D. Sancho II, os Cavaleiros Hospitalários também se foram mudando progressivamente para Sul, permanecendo durante algum tempo e sucessivamente nos castelos de Belver e do Crato, para, depois, se estabelecerem definitivamente no Mosteiro de Flor da Rosa. Com esta mudança deu-se igualmente a alteração da denominação do titular da mais alta dignidade da Ordem em Portugal. O Prior do Hospital passou a designar-se Prior do Crato, sendo o primeiro desta nova designação D. Frei Álvaro Gonçalves Pereira, pai, entre outros, do Prior seu sucessor D. Pedro Álvares Pereira e do Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira. Volvidos aproximadamente dois séculos, assistimos a nova alteração na denominação do titular da mais alta dignidade da Ordem em Portugal: passou a denominar-se Grão-Prior do Crato. Deve-se esta nova e derradeira denominação ao Infante D. Luís de Portugal (n.03.III.1506, em Abrantes; f.27.XI.1555, em Lisboa), quarto filho de D. Manuel I e de Maria de Aragão, 5.º Duque de Beja, 5.º Senhor de Moura. 9.º Condestável de Portugal, Fronteiro-Mor da Comarca entre Tejo e Guadiana, Senhor das vilas da Covilhã, Seia, Almada, Moura, Serpa e Marvão; dos concelhos de Lafões e Besteiros.

D. Luís de Portugal, com a Cruz de Malta ao peito.
Importa, pois, recordar que, nomeadamente a partir da rebelião do Prior do Crato Frei D. Nuno Gonçalves de Góis contra a regência do Infante D. Pedro (1392-1449), os nossos monarcas tomaram consciência para o significativo poder e importância dos Senhores do Crato, que passaram a acompanhar, receosos, ao mesmo tempo que ia crescendo o seu interesse em controlar a chefia do Priorado dos Cavaleiros Hospitalários em Portugal.

Esmiuçando um pouco mais este tema, ainda pouco desbravado, somos levados a constatar que a questão encontrou a sua oportunidade na vacatura do Priorado aberta pelo falecimento do Prior do Crato, Frei D. João de Meneses (n.c.1460, f.12.VII.1522), Conde de Tarouca, em 12 de Julho de 1522. Foi então designado para ocupar a dignidade o Comendador de Vera Cruz e Algoso, Frei D. Gonçalo Pimenta Teles de Avelar. Porém, El-Rei D. João III pediu-lhe que renunciasse em favor do Infante D. Luís, seu irmão, prometendo-lhe satisfação equivalente. Aquele não terá aceitado, com a justificação de que um lugar que lhe dera a Sua Religião, nunca por seus serviços o haveria de vender. Sem embargo disto, no entanto, talvez por outras circunstâncias que se desconhecem, veio aquele Prior a renunciar depois, pelo menos parcialmente, no referido Infante, o qual em vida de D. Gonçalo não se intitulou Prior do Crato, mas, apenas administrador. Após o passamento do Prior D. Gonçalo Teles de Avelar, D. Luís de Portugal logo se intitulou Grão-Prior do Crato, dignidade que ocupou de 1527 a 1555.

D. João III não só conquistou a dignidade para a Coroa, a custo de diversas diligências junto da Santa Sé, o que se constata, nomeadamente pelo agradecimento que, em 1532, o próprio Embaixador de Portugal em Roma, expressou ao Papa, em nome de D. João III, pela concessão do Priorado do Crato em benefício do infante D. Luís; como, adivinhando futuros protestos, conseguiu mesmo do Papa Júlio III a bula pontifícia de 1551, que fez com que D. António de Portugal - que veio a ser cognominado precisamente por Prior do Crato -, filho natural do Infante, fosse nomeado sucessor do pai. Facto que colocou a dignidade sob a nomeação arbitrária da Coroa, e levou o Capitulo Geral da Ordem, realizado em 1598, sob proposta dos Cavaleiros da Veneranda Língua Portuguesa, a deliberar a criação da dignidade de Balio titular de S. João de Acre, para suprir a perda de nomeação e eleição para o lugar cimeiro do Priorado de Portugal.
 

Normalmente, apenas se refere esta “ingerência” da Coroa a partir de 1789, altura em que o Priorado do Crato foi incorporado na Casa do Infantado e passaram a ser nomeados Grão-Priores os filhos secundogénitos dos Reis de Portugal, mas, como acabamos de referir, era já muito mais antiga a intenção de controlar aquela dignidade. O primeiro Infante a detê-la foi D. Luís de Portugal, do qual se diz que, atendendo às suas qualidades, só faltou ser rei.
 
Com efeito, desde muito cedo o Infante D. Luís deu provas de grande inteligência, destacando-se pela forma brilhante com que assimilou e desenvolveu as lições do professor Pedro Nunes, com o qual aprendeu filosofia, aritmética, geometria e astronomia. O próprio Pedro Nunes o reconheceu com um encarecido elogio ao dedicar-lhe a tradução dos três tratados de Ptolomeu: «E duvidando muito comigo, se dirigiria isto a V.A. a matéria da obra me convidou a fazer: que pois V.A. tem tanto primor na Cosmografia, e na parte instrumental, e tem tão alto e tão claro entendimento e imaginação, que pode facilmente inventar muitas coisas que os antigos ignoraram, parece que de direito lhe pertencia: de outra parte punha-me grande receio de ser a Obra tão pequena e não haver nela coisa que a V.A. seja nova.»
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Mas também pela poesia e, nomeadamente por Gil Vicente, demonstrou o Infante D. Luís grande predileção e afeto. Lê-se no Portal de História que «A sua intimidade com os sábios e os poetas do seu tempo, o seu trato afetuoso com muitos dos mais ilustrados fidalgos da Corte, a sua amabilidade muito pouco própria dum príncipe naquela época, a sua viva inteligência, o seu espírito aberto a todas as grandes coisas, tinham-lhe granjeado não só a estima das pessoas que frequentavam o Paço, mas também uma grande popularidade, porque realmente o povo gostava de ver aquele príncipe jovial, franco, desembaraçado, inteligente e instruído, tão completamente diverso do sombrio D. João III, seu irmão».

Precisamente ao Grão-Prior D. Luís de Portugal se atribui a edificação do Palácio e Varanda do Grão-Prior do Crato, cujo traço é atribuído a Miguel de Arruda. Pouco mais do que uma janela, é o que resta da antiga traça do Palácio. Já da Varanda, graças à sua robustez, tudo chegou aos nossos dias. De estrutura retangular, foi originalmente edificada num plano avançado em relação à fachada do Palácio, estando dividida em dois pisos. O piso térreo, que abre para a praça através de três arcadas, e o varandim, decorado a toda a volta com rosáceas e meias rosáceas. É hoje o mais importante Memorial dos Grão-Priores do Crato em Portugal.
É também aos ofícios de D. Luís de Portugal que se atribui a fundação, em 1519, do cenóbio dos Cavaleiros de Rodes em Portugal, mais tarde (depois de 1530) redenominado Convento da Penitência de S. João da Ordem de Malta, ou das Maltesas, em Estremoz, o único que a Ordem teve no nosso território.

Também D. Luís de Portugal, já em tempo do exercício da dignidade de Grão-Prior do Crato, ordenou a construção do Paço Real de Salvaterra de Magos, também denominado Paço do Infante D. Luís, de cuja terra obteve o Senhorio de seu irmão D. João III. Aí se estabeleceu, mais tarde, a famosa Real Falcoaria de Salvaterra de Magos, cujos primeiros falcões foram então enviados pelo Grão-Mestre da Ordem de Malta, o português Frei D. Manuel Pinto da Fonseca.
Por fim, e também para ligação dos factos com que se vai fazendo importante e gloriosa a história desta Nossa Ordem de Malta em Portugal, recordar que D. Luís de Portugal foi muito considerado pelo 2.º Rei de Espanha e Imperador do Sacro Império Romano-Germâncio, mais conhecido por Imperador Carlos V. Esse mesmo, ao qual ainda recentemente nos referimos a propósito da concessão da soberania sobre a Ilha de Malta que fez aos Cavaleiros Hospitalários de São João de Jerusalém e de Rodes, em 1530, ano da sua coroação como Imperador pelo Papa Clemente VII.
Por vontade de Carlos V, e não fosse a oposição das pretensões francesas, D. Luís de Portugal teria sido investido Senhor do opulento Estado de Milão, em recompensa dos seus merecimentos e pelos memoráveis serviços que lhe prestara, nomeadamente, pela célebre expedição a Argel e Tunes, onde com grande eficácia e por deliberações de D. Luís de Portugal se destronou o célebre corsário Barba Roxa, que se havia assenhorado daquelas regências, dominando daí impunemente o Mediterrâneo.

FONTES:
BELLO, Conde de Campo, A Soberana Militar Ordem de Malta e a sua acção em Portugal. Lisboa, 1931, pág.125-127.
Santa Catharina, Fr. Lucas de, Malta Portugueza: Memorias da nobilissima e sagrada Ordem dos Hospitalarios de S. João de Jerusalem, especialmente do que pertence à Monarchia Portugueza, Lisboa, Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1734, pág. 383.
Acerca do infante D. Luís pode ver-se ainda: O Ano histórico, tomo III, pág. 397 a 399; Biblioteca Lusitana, de Barbosa Machado, vol. III, pág. 45. Atribuem-lhe o Auto de D. Duardos, que depois de repetidas impressões, saiu em Lisboa, 1659, contudo, este Auto foi publicado entre as obras de Gil Vicente, e figura no vol. III dessas obras, com o titulo de Tragicomédia. Várias Cartas do infante, dirigidas a diversas pessoas, andam no livro acima citado do conde de Vimioso, e na Vida de D. João de Castro, por Jacinto Freire de Andrada; nas Crónicas da Companhia de Jesus, da Arrábida, dos Cónegos regrantes; no Antiquário Conimbricense, etc.

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