domingo, 26 de outubro de 2008

Belver, depois de Leça e antes do Crato...

O Castelo de Belver tem na sua génese a concorrência de todo um conjunto de circunstâncias, que em si constituem o suporte da luta que os nossos primeiros monarcas encetaram pela consolidação da independência e expansão do território português, no sentido do sul muçulmano. O movimento da "reconquista cristã" na Península Ibérica, inserido no quadro do desenvolvimento e expansão da Europa dos séculos XII e XIII (as Cruzadas), está na origem da fundação do reino de Portugal, cujo território, constituído na luta antimuçulmana para sul, até à conquista do Algarve por Afonso III, que marcaria o fim de praticamente cinco séculos de domínio árabe em território hoje português. A outra frente desta mesma luta pela autonomia, situou-se no eixo oriental, contra as quase constantes ambições de absorção de Portugal por parte dos reinos vizinhos de Leão e Castela, que iam mantendo vivo o velho ideal da unificação cristã peninsular.Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, Sancho II, e Afonso III, são os monarcas que conduzem o processo de expansão e consolidação territorial, que se caracteriza essencialmente pelo primado da mobilização da máquina de guerra, em constante actividade, ora avançado para o sul, ora recuando, ao longo das linhas naturais que arduamente se defendiam. Fortificar, colonizar, seriam os vectores da política real, a melhorar a defesa seria a ocupação do solo por uma população estável, que a qualquer momento pudesse acorrer em sua defesa. Afonso Henriques havia conseguido notáveis progressos no avanço cristão em direcção ao sul, mas a ausência de uma política real de colonização tornou frágeis as possibilidades de defesa das praças conquistadas, nomeadamente no Alentejo. Assim sendo, a ofensiva árabe desencadeada por Iacub Al Mansur em 1190, fez recuar a presença cristã em solo alentejano até à linha do Tejo, com excepção de Évora.Essencialmente a preocupação de Sancho I no aspecto militar é consolidar o território cristão ao longo da linha do Tejo, dando-lhe possibilidades de defesa e, por isso mesmo, promovendo o seu povoamento progressivo. Na zona compreendida entre Santarém, Abrantes e Vila Velha de Rodão, ao longo do Tejo, vão-se desencadear diversas acções de povoamento e fortificação, cabendo à zona hoje ocupada por Belver, um papel essencial na defesa do referido eixo. Tal tarefa é atribuída pelo rei à Ordem Militar do Hospital, a quem faz a doação da zona chamada de "Guidintesta", que se estendia pelas suas margens do Tejo, denominada estrategicamente pelo ponto onde Sancho I manda erguer o Castelo de Belver. (Carta de Sancho I em 13/06/1194): ..."Vobis clomno Alfonso Pelagii Hospitalis... terra que vocatur Guidintesta, in qua concedimus vobis ut faciatis castellum cui imponimus nomen Belver".



Iniciado logo a seguir à doação do rei Afonso Pais, prior da Ordem dos Hospitalários, o castelo estaria concluído em 1212, passando a funcionar como Casa-Mãe daquela Ordem Militar, substituindo assim a anterior sede situada no Mosteiro de Leça. Segundo o testamento de Sancho I, citado na crónica de Rui de Pina, ficaria à guarda do prior do Hospital, na fortaleza de Belver, uma parte importante dos 500.000 maravedis de ouro e dos 1.400 marcos de prata destinados àquela Ordem, bem como as esmolas que o testamento previra. Segundo os historiadores, Belver teria funcionado como Casa-Mãe dos Hospitalários durante praticamente um século, até que em 1350 a sede muda para o Crato, por determinação de D. Álvaro Gonçalves Pereira, que era então o prior daquela Ordem. Em 1390, D. Nuno Álvares Pereira, chefe militar do rei D. João I, encarregou-se da ampliação e melhoramento do Castelo de Belver, sendo a traça destas obras aquela que permaneceu até aos nossos dias, em que se procedeu ao restauro completo deste monumento por parte da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (nos anos 40).Para fazer história deste Castelo, poder-se-á partir de três vectores fundamentais que determinaram a sua funcionalidade no tempo. Assim, em primeiro lugar, o Castelo de Belver encontra-se ligado ao sistema político-militar próprio do período inicial da História de Portugal, caracterizado pela conquista do território aos muçulmanos e implantação de sistemas defensivos nas zonas geograficamente estratégicas, de modo a consolidar pela defesa e pelo povoamento, o progressivo avanço do território português em direcção ao sul algarvio. A construção e a primeira fase da vida de Belver teriam estas características, que fundamentalmente dependiam do governo da Ordem Militar dos Cavaleiros do Hospital, que tal como as outras ordens religiosas militares se enquadra no espírito da reconquista e da cruzada próprios dos séculos XII e XIII.O segundo vector que determina a História deste monumento incide já nos finais do século XIV, em que uma vêz estabelecidas as fronteiras definitivas do território português e dominado o perigo muçulmano, se torna necessário garantir a defesa do território face a Castela, sendo essa intenção de Nuno Álvares Pereira quando, em 1390, desencadeia as obras de melhoramentos no perímetro do Castelo. A guerra com Castela, iniciada em 1383, que levaria D. João I ao trono de Portugal por oposição nacional às ambições do rei de Castela, teria o seu lance decisivo na batalha de Aljubarrota, em 14 de Agosto de 1385, mas no entanto, até que a paz fosse assinada em 1411, foi preocupação do rei e do ajudante do campo garantir ao máximo a estabilidade das fronteiras luso-castelhanas, fortalecendo e melhorando o seu sistema defensivo, como será o caso do Castelo de Belver em 1390.Finalmente com o passar do tempo, o Castelo foi perdendo a função de centro vital na vida política nacional. Tal como no resto do país, a vida urbana viria a impor-se, a guerra ganharia novas facetas do ponto de vista táctico, alterando-se o terreno e os meios a pelejar. O Castelo de Belver terá sido palco, ainda no século XV, de disputas relacionadas com a política interna, como é o caso do confronto entre Afonso V e o regente D. Pedro; no século XIV supõe-se que terá de algum modo tomado parte da resistência à ocupação filipina, ao lado de D. António que era o Prior do Crato. Daí em diante, o Castelo foi sendo progressivamente esquecido, até que nos nossos dias, em 1942, a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais procedeu ao restauro dos estragos que lhe causou o seu último e pior inimigo: o tempo. Merece especial referência neste conjunto monumental, e dentro do seu perímetro, a Capela de S. Brás, erguida perto da torre que defende a fachada norte do castelo, sempre preservada devido ao carinho com que a população sempre a tratou. De estrutura arquitectónica modesta e de pequenas proporções, a Capela de S. Brás tem como principal atractivo o seu belo retábulo do século XVI, construído com a finalidade de abrigar as relíquias que se encontram distribuídas pelos vinte e quatro nichos. este conjunto de talha profusamente trabalhado, de influência nitidamente renascentista é, sem dúvida, um dos mais valiosos que se encontram nas igrejas portuguesas, quer pelo seu valor histórico como pelo seu elevado sentido estético.