Contributos de Carlo Gimach
.Carlo Gimach veio para Portugal entre 1695 e 97 e por cá esteve até 1712. Os dados que inventariaremos seguidamente provam que deve ter desempenhado um papel muito importante na nossa cultura arquitectónica.
De acordo com vários testemunhos coevos publicados por Ayres de Carvalho, Gimach veio para Portugal ao serviço do Bailio Montenegro com o propósito de fazer o projecto de ampliação de uma casa-torre medieval (a Torre de Nevões) que este cavaleiro possuía em S. Salvador do Taboado (Marco de Canavezes). Montenegro promoveu outras obras na região de Lamego, mas na Torre de Nevões não existe hoje qualquer vestígio reconhecível de obras executadas na transição do séc.XVII para o séc.XVIII. É provável que a morte de Montenegro, ocorrida em 1696, e a ruína da família (documentada por Ayres de Carvalho) tenham impedido o início efectivo dos trabalhos.
Voltamos a encontrar Gimach anos depois (em 1703) fazendo o projecto de remodelação da igreja das freiras cistercienses de Arouca, situada no arcebispado de Lamego, de grande influência da Ordem de S. João. A intervenção do projectista maltês está documentada seguramente por vários testemunhos da época publicados por Ayres de Carvalho.
Pedro Dias, que estudou o grande complexo conventual de Arouca, detectou lá três campanhas de obras «modernas»: no século XVII, entre 1704 e cerca de 1730, na metade final do século XVIII. Gimach teria intervido na segunda campanha, projectando a igreja e o grande coro das freiras.
Na nossa opinião, fez também o projecto da sala do capítulo, do claustro e de duas escadas. Os projectos não foram executados sob sua supervisão (o claustro, aliás, só foi terminado no século passado) e isso explica a interpretação «chã» feita, por exemplo, da ordem superior da igreja (em estípites inéditas na arquitectura portuguesa) ou das molduras decorativas quadrangulares das paredes correspondentes à ordem inferior. A igreja em si, de nave única, galerias laterais de comunicação (necessárias a um convento de freiras) e profundo coro aberto para a nave por um magnífico arco abatido, não é tipologicamente inovadora; apresenta-se como mais um dos muitos traços da «domesticação» a que era sujeita pela cultura arquitectónica portuguesa a intervenção de arquitectos estrangeiros - cuja acção, como sucedeu em Arouca, se fazia notar essencialmente a nível de recursos decorativos. Mas em obras menos marcadas pela tradição tipológica, a inovação podia manifestar-se; foi o que sucedeu em Arouca com duas escadas projectadas por Gimach. Voltaremos a elas adiante.
No abobadamento da nave e da grande sala do capítulo Gimach mostrou a sua mestria nos projectos para cobertura de grandes vãos. Mas tal não sucedeu apenas em Arouca.»
in "Portugal e a Ordem de Malta...", de Martim de Albuquerque, 1992, pág. 324.