domingo, 15 de junho de 2014

A propósito da histórica participação da Ordem de Malta na Procissão do Corpo de Deus

Trata-se de uma das mais antigas Procissões de Lisboa. A origem da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo remonta ao século XIII, altura em que a Igreja Católica sentiu necessidade de realçar a presença real do "Cristo todo" no pão consagrado. A Festa de Corpus Christi foi então instituída em 11 de Agosto de 1264, pela bula Transiturus de hoc mundo, do Papa Urbano IV, para ser celebrada na quinta-feira após a Festa da Santíssima Trindade, que acontece no domingo depois de Pentecostes.
Em Portugal, a solenidade do Corpus Christi já era celebrada no século XIII, desde o reinado de D. Afonso III. Era, à época, uma simples festa de adoração, não envolvendo a procissão pelas ruas. O rito da procissão foi instituído pelo Papa João XXII (1317). Actualmente, neste dia, em todas as 20 dioceses de Portugal, fazem-se procissões solenes a partir da igreja catedral, tal como em muitas outras localidades, que são muito concorridas. Estas procissões atingem o seu esplendor máximo em Braga, Porto e Lisboa. De resto, na capital, a festa do Corpo de Deus incluiu a Procissão, pela primeira vez, no reinado de D. João I, em 1389, pouco tempo volvido após a consolidação da autonomia face a Castela e do bom augúrio criado pelas vitórias bélicas de D. Nuno Álvares Pereira e pela influência cultural britânica (de tal forma que S. Jorge passou a ser considerado Padroeiro de Portugal).
Razão pela qual, à solenidade do Corpo de Deus se juntou a festa de São Jorge e desta junção resultou a magnificência da Procissão da capital. Manifestação religiosa que chegou a atingir surpreendente grandiosidade no tempo de D. João V, incorporando a Procissão, para além doutras, delegações de diversas Ordens Religiosas e Militares, como da Ordem de Malta, nomeadamente a partir de 1899, data em que se fundou a Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana e Militar de Malta, herdeira das tradições hospitalárias, assistenciais e culturais da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, em Portugal.

 El-Rei D. Manuel II, Presidente de Honra da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem de Malta, 
pegando na primeira vara do pálio, na Procissão do Corpo de Deus, em 18 de Junho de 1909

Sempre em Junho, as cerimónias tinham o seu início no Castelo de São Jorge, onde a imagem do Santo era colocada sobre um cavalo e percorria as ruas da cidade guardada pelo seu pajem e pelo seu escudeiro, o "homem de ferro", que segurava o estandarte de S. Jorge, o padroeiro da cidade e defensor da fé cristã. Quando o cortejo chegava à Sé catedral, era celebrada uma missa onde o Cardeal-Patriarca elevava a Custódia (Corpo de Deus), aos presentes e a preparava para que, finda a celebração, emergisse à porta da igreja, sob um magnífico pálio, rodeado por Suas Magestades e pela nobreza, formando-se a procissão, na qual o rei e os infantes tomavam uma das varas (geralmente a primeira da direita), sendo as restantes destinadas ao presidente do Senado da Câmara e à antiga nobreza.
A procissão prosseguia o seu caminho passando pela Igreja de Santo António e pela Madalena até à baixa, percorrendo as suas principais artérias de onde partia para regressar à Sé.

El-Rei D. Manuel II à saída da Sé no final das Cerimónias,
em 18 de Junho de 1909
Ao longo da história da Procissão do Corpo de Deus em Lisboa, porque especialmente integrada pelos mais altos dignitários da Corte - aparentemente mais desprotegidos - é curioso notar a tentação de realização de atentados contra as figuras régias. Um desses atentados deu-se contra El-Rei D. João IV. Tendo sobrevivido o monarca, sua esposa (D. Luísa de Gusmão) promoveu a construção do Convento dos Carmelitas, justamente no lugar do falhado crime, na baixa lisboeta, ficando conhecido como do “Corpus Christi”.
Outro atentado famoso deu-se contra D. Manuel II, perto da Igreja da Vitória, quando a procissão passava perto da Igreja da Vitória, na rua do Ouro.

Saída da Procissão, em 30 de Maio de 1907. El-Rei D. Carlos I, Primeiro Presidente de Honra da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem de Malta, pegando na primeira vara direita do pálio.
Com a passagem à República, a Legislação de 1910, que iniciou o processo de separação da Igreja do Estado, proibiu os dias santos da Igreja (excepto o Natal e o dia 1 de Janeiro) e interrompeu o culto público.
Em 2003, a Procissão do Corpo de Deus voltou a percorrer as ruas da Baixa, por onde outrora se cumpriu. A solenidade, então presidida pelo Cardeal-Patriarca - em que participaram, na missa e procissão, mais de cinco mil fiéis -, teve começo com a celebração da Missa no Largo da Igreja de São Domingos, no logradouro do Palácio da Independência, rumando depois à Rua Garrett, diante da Basílica dos Mártires, onde terminou com a Bênção do Santíssimo Sacramento.

Delegação da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana e Miltar de Malta, presente nas Cerimónias Religiosas do Corpo de Deus na Sé Patriarcal de Lisboa, em 2013.
Em 2014, as celebrações da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo ocorrerão na Sé Patriarcal de Lisboa, no Domingo, dia 22 de Junho, sendo presididas pelo Senhor Patriarca de Lisboa, Senhor Dom Manuel Clemente. Às 11h30 realiza-se a Missa e às 17h00 realiza-se a Procissão por algumas ruas da Baixa, com início e término na Sé Patriarcal, onde será feita a Bênção solene às 18h30.

Fontes: SNPC; Revelar LX
Imagens: Família Real. Álbum de fotografias. Quimera Editores, Lda; blog da ACPOSMM.

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