Transcrevemos o excerto do recentíssimo Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, sobre a Ordem do Hospital, hoje e desde 1530, dita Ordem de Malta.
in DICIONÁRIO HISTÓRICO DAS ORDENS E INSTITUIÇÕES AFINS EM PORTUGAL, Dir. José Augusto Mourão, José Eduardo Franco eCristina Costa Gomes. Em parceria com o Instituto São Tomás de Aquino, a revista Brotéria e a Editora Gradiva, e com o apoio especial de Sua Exª o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.
Em meados
do séc. XI (1048) um grupo de comerciantes oriundos de Amalfi (Itália), que
mantinha boas relações comerciais com o Próximo Oriente, foi autorizado a
fundar, na cidade de Jerusalém, uma casa religiosa para dar resposta às
necessidades de assistência que enfrentavam os fiéis em peregrinação à Terra
Santa. A comunidade caritativa foi instituída sob a Regra de S. Bento e
dependência do Mosteiro de S.ta Maria Latina. O seu crescimento foi
muito rápido e, em breve, o espaço era demasiado pequeno para a multidão de
peregrinos, armados de grande fé, mas com poucos meios materiais que, por
espírito de penitência, faziam a longa viagem a pé e chegavam ao destino
esgotados pelo cansaço, fomes e febres. Foi, por isso, edificado um novo
hospital, com capela própria, dedicado a S. João Baptista.
Após a
tomada de Jerusalém pelos Cruzados (1099), a comunidade ganha novos elementos e
o hospital recebe generosas doações de várias pessoas. Entre estas doações
contam-se as de Godofredo de Bulhão, as quais lhe permitiam assegurar a sua
existência e desligar-se de S.ta Maria. Assume a sua autonomia
formando uma congregação especial, sob a protecção de S. João Baptista. Coube a
Gerardo, um leigo, que alguns historiadores dizem ser de Martigues (Provença),
a iniciativa de criar este Instituto, fazendo profissão de fé e adoptando o
hábito negro, sobre o qual é colocada a cruz branca de oito pontas, símbolo dos
Hospitalários. O Papa Pascoal II, na Bula de aprovação de 1113, chama Institutor
ao futuro Beato Gerardo. Aprovada pelo sumo pontífice, a nova Congregação
recebe Regra própria, constituída por 19 capítulos, inspirada na Regra de S.to
Agostinho. O papa, desde logo, beneficiou a nova Congregação, favorecendo a sua
autonomia mediante a concessão de privilégios e isenções, bem como pela
confirmação de todas as doações recebidas até então.
Fundada em Jerusalém, a Ordem de São João do Hospital conheceu, ao longo
dos séculos, mercê da sorte das armas na luta entre a Fé de Cristo e a Fé de
Maomé, vários locais onde instalou a sua Casa-Mãe. Primeiro Jerusalém, depois
Margat, S. João de Acre (1206-1290), Chipre (1290-1309), Rodes (1309-1310),
onde adquiriu uma feição “insular”, no dizer de Fr. Lucas de Santa Catharina, e
se manteve até 1522, quando a ilha foi tomada pelos turcos. Finalmente,
instituíram-se na ilha de Malta.
Esta é, em síntese, a origem da Ordem dos Hospitalários, ou de São João de
Jerusalém, de Rodes ou ainda designada de Malta, a partir de 1530, quando os
freires, como referimos, se instalaram na ilha assim chamada, que lhes foi
doada pelo Imperador Carlos V.
A Ordem cresceu em poderio económico e militar, bem como em número de casas
espalhadas por toda a Cristandade. As generosas doações de particulares e
monarcas, bem como o apoio do papa, de que beneficiam, aliadas a uma
organização e gestão centralizada e rigorosa, fazem dos Hospitalários uma força
religiosa e militar poderosa e actuante, tanto na defesa dos lugares santos,
como na defesa e assistência aos enfermos e peregrinos nos caminhos de
peregrinação, à Terra Santa ou a Santiago de Compostela.
Pela divisão em circunscrições territoriais, designadas por Línguas ou
Nações (como as comunidades de estudantes) e graças a uma rígida administração,
assim como a uma hierarquia bem estruturada, a grande dispersão geográfica é
centralizada e munida de vários mecanismos de controlo, contribuindo todos para
o Comum Tesouro, um factor determinante para o seu sucesso.
A Ordem estava organizada em sete (mais tarde oito) circunscrições
territoriais e administrativas: Provença, Auvergne, França, Itália, Espanha,
que englobava Aragão, Navarra e Catalunha e, a partir de 1462, Castela, que
incorporava o Priorado de Portugal, Alemanha e Inglaterra, cada uma delas
composta por um ou vários priorados.
Os Hospitalários, constituindo um todo, em que todos professavam os três
votos religiosos de obediência, castidade e pobreza, com uma acção
preponderante no domínio da assistência e defesa da Fé de Cristo,
constituíam-se em: Freires Cavaleiros, elementos de escola recrutados na
nobreza, que podiam ser Comendadores, Bailios e Priores; os Capelães
Conventuais, religiosos de ordens sacras, e os Serventes de Armas ou Sargentos.
Cada freire, qualquer que fosse o convento e qualquer que fosse a língua, sabia
sempre qual o seu lugar na hierarquia e qual a função que lhe cabia.
A pirâmide hierárquica tinha no topo o Grão-Mestre da Ordem, que dependia
espiritualmente (ele e a Ordem) do Sumo Pontífice. Tinha por função presidir à
Ordem, tanto a nível religioso como militar. A figura do Grão-Mestre passou a
ter dignidade militar por regulamento do Grão-Mestre Hugo de Revel (1258-1277).
Intervinha na administração dos vários priorados, exercendo a sua autoridade ao
nível da atribuição e destituição dos cargos. Detinha também prerrogativas no
plano judicial, além de presidir ao Capítulo Geral, que era a suprema instância
judicial dentro da Ordem. A sucessão do Grão-Mestre à frente da Ordem estava
assegurada por eleição interna, que obedecia a um cerimonial complexo iniciado
pela convocação do Conselho Completo, e era feita a título vitalício. Era
coadjuvado na sua acção governativa por vários órgãos colegiais: o Conselho
(ordinário e completo), o Convento e o Capítulo Geral, o seu órgão legislador.
Na reunião magna da Ordem, o Capítulo Geral, participavam elementos de todas as
línguas que a compunham. Era nesta magna assembleia que era nomeado o seu
Procurador-Geral, que tinha assento na cúria romana. O Capítulo Prioral ou
Provincial, de realização anual, era outro dos órgãos colectivos deste
Instituto, que contava com uma estrutura hierárquica complexa e de cariz
funcional.
Entre os freires cavaleiros eram recrutadas as chefias militares e de
governo. Em segundo plano estavam todos os homens dos ofícios que, dado o
carácter e a actuação dos Hospitalários, abrangia um leque amplo e variado.
Finalmente, estavam todos os homens leigos, que serviam a Ordem, nomeadamente
nos trabalhos agrícolas.
A admissão no seio da Ordem estava regulamentada com várias cláusulas,
tendo sofrido algumas alterações ao longo dos séculos. Segundo as normas
estabelecidas no magistério do Grão-Mestre Hugo de Revel, só podiam professar
na Ordem os filhos de legítimo matrimónio, exceptuando se fossem filhos de
senhores de grandes títulos. Impunha um cerimonial codificado e muito
simbólico, porém, menos solene para os freires serventes. O candidato
apresentava-se vestido com o hábito longo e com um círio aceso. Ajoelhando-se
diante do altar, assistia à missa, comungava e, só então, o professante pedia
para ser aceite na Congregação. Recebia então a capa e a cruz, colocada sobre o
lado esquerdo do peito, e era-lhe apertado o cordão do manto, simbolizando o
jugo do Senhor. Todos os freires eram, sem excepção, obrigados a usar o hábito,
simples e despojado, de acordo com os votos de pobreza que professavam;
contudo, ao longo dos tempos, foram admitidas algumas diferenças. Por exemplo,
a partir do séc. XIII, os freires deviam usar uma sobrevista vermelha, no
exercício das armas. No séc. XV, o Grão-Mestre Pedro Raimundo Zacosta permitiu
o uso de uma vestimenta mais curta aos freires que estivessem ao serviço nas
galés e nas guardas e sentinelas dos castelos da Ordem. A cor dos Hospitalários
era o negro, mas também o cinzento foi autorizado. Todos os freires seriam
sepultados com o seu manto.
A Ordem de São João de Jerusalém admitia também donatos, pessoas leigas que
ofereciam os seus bens à Ordem, participando assim nos benefícios espirituais
que esta proporcionava. Também estes teriam que obedecer a um ritual de
admissão.
A Ordem do Hospital integrava também nas suas fileiras mulheres. Em 1104
uma mulher fundou, em Jerusalém, um hospício, anexo ao hospital da Ordem, para
receber mulheres devotas à Fé de Cristo. Hugo de Revel concedeu poder aos vários
priores para receberem mulheres de honesta vida. Mais tarde, já no séc. XVI, de
acordo com directrizes do Grão-Mestre Claudio de la Sengle, as Hospitalárias
teriam que morar em mosteiros. (Santa
Catharina, Fr. Lucas de, Malta Portugueza…, I, I, cap. IV, p.
127). O recrutamento dos elementos femininos obedecia a critérios particulares
de cada casa. Vestiam hábito vermelho sobre o qual era colocada, também no lado
esquerdo, a cruz branca de oito pontas. Depois da perda de Rodes, as irmãs
passaram a ser chamadas de &Maltesas e a usar vestido preto. Tal como no
ramo masculino, as Hospitalárias estavam divididas em diversos grupos:
Professas, Conversas e Donatas.
Esta organização dependente, e respondendo perante o Grão-Mestre e perante
a Casa-Mãe, era reproduzida regionalmente em cada uma das nações e em cada um
dos priorados, onde a vivência dos Hospitalários era regida por um conjunto de
normas, que regulavam não só a conduta dos freires, mas ainda o funcionamento
orgânico da Ordem e a administração e gestão do seu vasto património. A
organização funcional da Ordem estava bem definida, agrupando-se por áreas de
actividade. Na sua acção bélica contava com o Turcopilier, que comandava
a cavalaria ligeira, o Marechal e o Almirante (depois de 1299). O Hospitalário
era o responsável pela parte assistencial. Os cargos de Tesoureiro e de
Grão-Chanceler estavam directamente relacionados com a gestão e a administração
da Ordem, que contava ainda com o Grão-Bailio, a quem competia zelar sobre
todas as fortalezas. Tradicionalmente cada Língua tinha a seu cargo uma função,
excluindo o cargo de Tesoureiro. Com o decorrer dos tempos alguns dos cargos de
cariz militar desapareceram.
A Ordem era uma poderosa organização supranacional, que foi adaptando as
suas normas às mudanças das conjunturas históricas, mantendo, apesar de alguns
momentos mais críticos, uma forte coesão quer a nível espiritual, quer a nível
material, imprimindo um carácter próprio e inconfundível a estes freires
militares, que representaram, durante séculos, um bastião da Cristandade no
Mediterrâneo Oriental.
Desconhece-se a data precisa da entrada dos Hospitalários no território que
é hoje Portugal, onde encontraram terreno fértil para a sua actuação. A Ordem
tem sido objecto de estudo por vários historiadores, desde Fr. Lucas de Santa
Catharina, Alexandre Herculano, Anastácio de Figueiredo, Viterbo, Gama Barros,
Ruy de Azevedo e, mais recentemente (no final do séc. XX), como tema de
dissertação de Mestrado e Doutoramento, pela historiadora Paula Pinto Costa.
Restam, no entanto, ainda algumas sombras quanto à cronologia da sua instalação
em Portugal, até porque uma parte importante do seu arquivo, sediado no Convento
da Flor da Rosa, foi destruída pelas tropas espanholas em 1662. Mantêm-se, por
isso, ainda válidas as conclusões do historiador Ruy de Azevedo, que aponta o
ano de 1128 como data provável para a doação do Mosteiro de Leça aos
Hospitalários, que foi a sua primeira sede capitular, doação esta de D. Teresa,
no mesmo ano em que Soure foi concedido, pela mesma rainha, aos Templários
(DMP, Régios., I, ref. 24 e doc. 799). Nesta primeira fase, a Ordem de
São João de Jerusalém não teria ainda entre nós uma forte organização militar,
mas a sua presença tomava raízes, e, antes de 1132, já adquiria bens imóveis,
sob o comando de Paio Galindes. A importância e a expansão da Ordem são
confirmadas pela carta de couto outorgada por D. Afonso Henriques em 1140 (DMP,
Idem., doc. 260).
Apesar de estarem ao lado de D. Afonso Henriques na tomada de Santarém e de
Lisboa (1147), tendo sido agraciados com a Igreja de S. João de Alporão, antiga
mesquita de Santarém e, com a Igreja de S. Braz, que será a cabeça da Comenda
de Lisboa, só alguns decénios mais tarde teriam uma forte organização militar,
podendo, assim, estar presentes e participar nos palcos das lutas da
Reconquista e repovoamento do território em construção. Neste movimento de
aproximação à linha de fronteira com o Islão, terão recebido, no ano de 1174,
as vilas da Sertã e de Pedrógão. Na mesma zona geográfica, junto à bacia do
Zêzere, cerca de 1194, vamos encontrá-los na posse das Comendas de Oleiros e
Álvaro, mas é com a doação feita por D. Sancho I da terra de Guidintesta
(1194), junto à linha do Tejo, que a Ordem nos aparece organizada de forma a
poder desenvolver a sua acção com especial destaque para a defesa e povoamento
deste território recém-conquistados ao infiel. Aí, de acordo com a doação
régia, foi edificado o Castelo de Belver, assim chamado a pedido do monarca.
Depreende-se pelo testamento de D. Sancho I que, no ano de 1210, o Castelo de
Belver seria já uma das principais casas da Ordem de São João de Jerusalém,
rivalizando com Leça, pois aí estava guardado parte do tesouro real (Brandão, Fr. António, Monarquia
Lusitana, vol. IV, cap. XXXV, p. 61).
As doações régias prosseguiram com D. Sancho II que, em 1232, lhes outorga
extensos domínios na margem esquerda do Tejo, na terra que recebe então o nome
de Crato. Nesse mesmo ano, o Prior do Hospital dá foral à vila do Crato. Aí
fundaram os freires uma casa que será a sua sede principal em Portugal.
A Ordem do Hospital, durante toda a primeira dinastia, esteve ao lado dos
nossos reis na conquista e povoamento do território, recebendo muitas terras e
privilégios, sem, contudo, igualar as doações concedidas à Ordem do Templo, a
sua grande rival. Vários foram os conflitos, motivados pela posse de alguns
senhorios, surgidos entre estas duas ordens, que vizinhavam nesta área
geográfica da linha do Tejo, nas suas duas margens. Um deles foi aquele sanado
após a primeira reunião do Capítulo Geral em território português, realizado no
ano de 1231 na Sertã. Os Freires Hospitalários apoiaram D. Dinis no cerco e na
tomada de Portalegre e receberam do monarca o padroado de várias igrejas, nas
Dioceses de Lamego, Guarda, Viseu e Braga. Estiveram ao lado de D. Afonso IV na
Batalha do Salado, onde se distinguiram sob a chefia do então Prior do Crato,
D. Álvaro Gonçalves Pereira (pai do futuro Santo Condestável). No final da
Dinastia de Borgonha, na crise de 1383-1385, Fr. D. Álvaro Gonçalves Camelo,
Prior do Crato, tomou o partido de Castela contra o Mestre de Avis; foi
destituído do cargo, tendo nele sido investido, pelo rei, D. Lourenço Esteves
de Goes. D. João I restabeleceu a obrigação de as ordens fornecerem à Coroa,
sempre que necessário, 200 lanças, das quais 20 eram dos Hospitalários. D. João
I, findo o conflito com Castela, no momento em que dá início a um novo destino
para Portugal, toma conselho com um freire hospitalário, ficando assim a Ordem,
apesar da continentalidade do seu património fundiário, ligada ao primeiro
momento dos Descobrimentos portugueses. Com efeito, um dos estrategas da tomada
de Ceuta foi D. Álvaro Gonçalo Camelo, Prior do Hospital (Zurara, Gomes Eanes de, Crónica da
Tomada de Ceuta, cap. XVIII, p. 87). Na crise da regência, depois da morte
de D. Duarte, o Prior D. Nuno de Goes tomou o partido da Rainha D. Leonor,
honrando, assim, o compromisso de obediência e lealdade ao rei, a que eram
obrigados os freires hospitalários. D. Afonso V escolheu para padrinho do seu
filho primogénito – o futuro Príncipe Perfeito – o Prior do Crato, D. Vasco de
Athaide. (Resende, Garcia de, Crónica
de D. João II, cap. II). A Ordem esteve ao lado do jovem rei nas campanhas
africanas, dando, desta maneira, seguimento aos ideais e destinos que séculos
antes haviam traçado: defender a Fé de Cristo e lutar contra o infiel.
O Priorado de Portugal fazia parte da Língua de Espanha, até ao séc. XV,
quando foi criado o Priorado de Portugal e Castela. Estavam, assim, integrados
os freires “portugueses” numa unidade administrativa presidida por um Prior,
que era, aí, o responsável máximo da Ordem. A seguir ao Priorado estavam as
Bailias, que eram também unidades administrativas, que remontavam aos
primórdios da Ordem, e depois as Comendas.
O Prior do Hospital, a partir de meados do séc. XIV, no reinado de D.
Afonso IV, aparece designado por Prior do Crato. Possuía jurisdição cível e
crime e era detentor de um vasto património constituído pelas vilas e castelos
de Belver, Crato, Gáfete, Tolosa, Amieira, Sertã, Pedrógão Pequeno, Álvaro,
Oleiros, Proença, bem como várias comendas e padroados dispersos pelo país.
Nomeava, nas terras da Ordem, os juízes, e o seu ouvidor equiparava-se aos
corregedores do rei. Estava no topo da hierarquia, ao nível do Priorado, mas
também ao nível do Reino, e actuava em harmonia com as normas da Ordem e com as
determinações do Capítulo Provincial, o mais importante órgão colectivo dentro
do Priorado, a que presidia.
Do ponto de vista territorial, o Priorado subdividia-se em Bailias e
Comendas, sendo umas e outras unidades administrativas. A Comenda era a base da
organização patrimonial e administrativa de cada Priorado, assim considerada na
normativa da Ordem. Cabia a cada Comenda, localmente, assegurar o bom
cumprimento das funções de enquadramento, tanto ao nível das tarefas
religiosas, como das tarefas civis. A Comenda apresentava-se como um conjunto
de bens geridos por um freire professo, o Comendador. Estas agrupavam-se em
quatro categorias: as Comendas Magistrais, que eram do Prior ou Grão-Prior; as
Comendas de Graça, comendas priorais cedidas pelo titular a um Cavaleiro; as
Comendas de Cabimento que cabiam a um Cavaleiro com base no critério da
antiguidade; e as Comendas de Melhoramento, dadas a Comendadores do Cabimento
que prestassem durante cinco anos prova de capacidade de administração. Os
diversos comendadores exerciam o cargo de acordo com as directrizes da
Instituição, sendo a sua actividade conferida pelas visitações efectuadas com regularidade.
Eram estes Freires Cavaleiros, por delegação do Prior, a autoridade máxima na
Comenda, onde exerciam o seu cargo rodeados por um certo número de homens de
armas.
É difícil estabelecer um quantitativo para as comendas da Ordem, que foi
sendo alterado ao longo dos tempos, por legados pios, compras e vendas, mas
também por trocas, inseridas numa estratégia de gestão tendente à concentração
patrimonial. O Livro dos Herdamentos e doações ao Mosteiro de Leça,
elaborado no séc. XVI, apresenta 31 comendas (Leça, Chavão, Santa Marta,
Távora, Aboim, Faia, Moura Morta, Poiares, Corveia, Ervões, S. Cristovão,
Algoso, Barro, Fontelo, Vila Cova, Trancoso, Ansemil, Guarda, Covilhã, Oleiros,
Sertã, Belver, Coimbra, Santarém, Lisboa, Marmelar, Moura e Crato), traduzindo
a dispersão geográfica da sua implantação em Portugal.
Paula Pinto Costa, no seu estudo sobre a Ordem de São João do Hospital,
aponta um número de 54 comendas, admitindo, todavia, que as mesmas não tenham
existido todas em simultâneo. Por outro lado, as comendas apresentavam
diferenças significativas entre si, por exemplo, ao nível da área territorial
que abrangiam, ou pela existência, ou não, de um castelo.
Também em território português, a Ordem contou nas suas fileiras com
elementos femininos. Segundo o Conde de Campo Bello, após a conquista de Évora,
o rei fundou um hospital, com casa e ermida, que doa à Ordem e será ali o
primeiro convento feminino, antes de se fixarem em Estremoz. Laurent Daillièz
aponta a data de 1166, em Évora, para a instituição e instalação das primeiras
religiosas hospitalárias em Portugal. Estas terão abandonado, definitivamente,
Évora em 1175, instalando-se em Estremoz. Da presença de mulheres
hospitalárias, dá-nos também conta Anastácio de Figueiredo, apontando este estudioso
da Ordem a existência, desde muito cedo, de algumas mulheres em situação de
destaque, como por exemplo uma certa D. Urraca, que terá sido comendadeira de
Oliveira do Hospital. (Figueiredo,
José Anastasio de, Nova História…, II, cap. XXXIV, p. 54).
Apesar de não serem conhecidos relatos, ou crónicas, das façanhas dos
freires “portugueses” de São João de Jerusalém para o período medieval, a sua
acção como guerreiros ou administradores não ficou completamente esquecida,
chegando até nós ainda que de forma indirecta.
Muitos foram os freires portugueses da Ordem do Hospital que se
distinguiram, tanto ao serviço do rei e de Portugal, como em defesa dos ideais
subjacentes à sua fundação. Decorrido menos de um século após a sua instituição
oficial, foi eleito para o cargo do Grão-Mestre, o 12.º da Ordem, um Infante de
Portugal, D. Afonso, filho bastardo do primeiro rei português. Não foi longa,
porém, a sua permanência no cargo. Resignou após três anos e regressou à sua
comenda de Alporão (Santarém) onde foi sepultado. Apesar da curta passagem pelo
cargo, sob o seu comando foram promulgados os Estatutos da Ordem que
estabeleceram quatro categorias para os seus membros. Da extensa lista dos
priores de Portugal, alguns se podem destacar pelo seu desempenho no campo
militar ou na administração dos bens da Congregação, ou ainda pela sua acção de
conselheiros e embaixadores do rei. Entre eles refira-se D. Afonso Pais, que
recebeu das mãos de D. Sancho I a terra de Guidintesta; e D. Mendo Gonçalves,
que foi testamenteiro, ainda na qualidade de Comendador, do primeiro testamento
de D. Sancho I. Foi Fr. Mendo Gonçalves, já Prior, que tomou a iniciativa de
convocar o primeiro Capítulo Geral realizado em Portugal, na Comenda da Sertã,
que, no dizer de Laurent Daillièz, representaria já o espírito independentista
da Ordem de São João de Jerusalém em terras portuguesas. Na verdade, aos
monarcas medievais interessava tornar as Ordens Militares, implantadas em
Portugal, independentes da administração da Casa-Mãe, sediada no estrangeiro.
D. Afonso Peres Farinha, Prior do Hospital e Grande Valido de D. Afonso III,
ficou ligado aos territórios alentejanos de Moura e Serpa. Manteve-se ao lado
do seu rei até mesmo durante os momentos mais agudos que marcaram o conflito
entre o bolonhês e o clero episcopal. Podemos também citar D. Estêvão Vasques
Pimentel, Comendador de Leça, que mandou erigir a Igreja de Leça, onde D.
Fernando terá desposado D. Leonor Telles. Na batalha do Salado distinguiram-se
os Hospitalários, sob o comando de D. Álvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno
Álvares Pereira, que mandou edificar os Castelos de Amieira e da Flor da Rosa.
Mas, sem dúvida, o mais famoso foi D. António, Prior do Crato, pretendente ao
trono de Portugal, quando a Ordem era já de Malta.
A Ordem, entre nós, manteve-se independente. Não recebeu os bens dos
&Templários, como pretendia o papa, que habilmente D. Dinis fez transferir
para a Ordem de Cristo, então criada (1319). A Ordem do Hospital também não foi
incorporada na Coroa, em 1551, com as Ordens de Avis, Cristo e Santiago, apesar
de a dignidade de Prior do Crato ser atribuída aos Infantes D. Luís, filho de
D. Manuel I, e, mais tarde, a seu filho D. António, mantendo, assim, um
carácter singular e o epíteto de “Soberana”, que lhe será atribuído quando for
designada de Malta.
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Gisela
Pinto
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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Maria Graça Vicente
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
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